quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Foda-se

-texto de Millôr Fernandes -
-adaptado do português do Brasil para o português de Portugal-


O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de foda-se que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do foda-se!?
O foda-se! Aumenta-nos a auto estima, torna-nos pessoas melhores. Reorganiza as coisas, liberta-nos.
Não queres sair comigo? Então foda-se!.
Vais ter mesmo que decidir essa merda sozinho (a)? Então foda-se!.
O direito ao foda-se! Deveria estar assegurado na Constituição.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para promover o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os sentimentos mais fortes e genuínos. É o povo a fazer a sua própria língua. Como o Latim Vulgar, será este o Português Vulgar que vingará plenamente um dia.


Comó caralho, por exemplo, qual é expressão que melhor traduz a ideia de muita quantidade do que o comó caralho? O comó caralho tende ao infinito, é uma expressão quase matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó caralho.
O Sol é quente comó caralho.
O universo é antigo comó caralho.
Eu gosto de cerveja comó caralho, entendes?

No género do comó caralho, mas no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso Nem que te fodas ! O Não, não e não! É tão pouco ou nada eficaz e já não tem nenhuma credibilidade. Não, absolutamente não substitui o nem que te fodas, que é irretorquível, e liquida o assunto. Liberta-nos, deixa-nos com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na vida. Aquele filho radical de 17 anos chateia sem parar pedindo-te o carro para ir surfar?Não há que perder tempo nem paciência. Solta-se logo um definitivo Marquinho presta atenção, filho querido, nem que te fodas! O impertinente percebe logo a deixa, e vai para Centro Comercial encontrar-se com os amigos nas maiores e podemos fechar os olhos e volta a curtir o CD que estávamos a ouvir.


Por sua vez, o porcaria nenhuma! Atende plenamente às situações onde o nosso ego exige não só a definição mas também a negação. É hoje totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele no nosso quotidiano profissional. Como vamos comentar a gravata do chefe idiota senão com um porcaria nenhuma! Ou ele não redigiu aquele relatório sozinho porcaria nenhuma!O porcaria nenhuma, como podem ver, proporciona-nos sensações de incrível bem-estar interior. É como se estivéssemos a fazer uma tardia e justa denúncia pública de um cabrão.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense-se na sonoridade de um puta-que-o-pari, falado mesmo assim, cadenciando, sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante qualquer puta-que-o-pariu! Dito assim coloca-nos outra vez no seu eixo. Os neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e revelarem a atitude que lhes permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do famoso vai levar no cu!? O bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando passado o limite do suportável, se dirige ao cabrão do seu interlocutor e solta: Chega! Vai levar no cu!

Pronto, retomamos as rédeas da vida, a auto estima. Desabotoamos a camisa e saímos para a rua, o vento a bater-nos na cara, olhamos firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: Fodeu-se!E a sua derivação mais avassaladora ainda: Fodeu-se de vez! Conhece-se a definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo e imaginável de ameaçadora complicação?Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere o seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando estamos a conduzir bêbados, sem documentos do carro e sem carta de condução e ouve-se uma sirene da polícia atrás de nós mandando-nos parar: O que é que se diz? Fodeu-se de vez!

Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Foda-se!!!

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